Mídia, fake news e os riscos à democracia

Por Débora Borges

“Mídia, fake news e os riscos à democracia” foi uma das mesas que marcaram o lançamento da Rede Narrativas, no dia 5 de abril de 2018, durante o X Congresso GIFE. Vale conferir as reflexões sobre o tema compartilhadas no evento por Ana Freitas, pesquisadora da FGV-DAPP, e Leonardo Sakamoto,  presidente ONG Repórter Brasil. O debate foi mediado por Pedro Telles, da Omidyar Network  no Brasil.

A execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em março de 2018, desencadeou um fenômeno inédito nas redes sociais digitais brasileiras: pela primeira vez, o número de menções desmentindo as fake news difundidas foi maior do que as falsas notícias veiculadas. O levantamento foi realizado pela Diretoria de Análise de Política Pública da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-DAPP).

Segundo a pesquisadora Ana Maria Gomes de Freitas, as fake news começaram a circular via WhatsApp na noite de quinta-feira, 15 de março, 24 horas depois da execução. O primeiro tuite monitorado apareceu na sexta, 10h45 da manhã. Era um vídeo com imagens que não eram da Marielle e que falava sobre sua ligação com a organização criminosa Comando Vermelho. No texto, a fake news dizia que a vereadora tinha sido casada com o traficante conhecido como Marcinho DP. Na mesma tarde um deputado retuitara o conteúdo e uma desembargadora fez um post no Facebook.

Em vez de contribuir para desmentir a falsa narrativa, a imprensa tradicional contribuiu para propagá-la. “Marielle foi casada com traficante, diz desembargadora”, anunciaram manchetes sobre o caso. Ainda que os textos explicassem se tratar de uma mentira, a pesquisadora apontou que a imprensa dificultou a elucidação dos fatos, uma vez que a maioria das pessoas leem apenas os títulos das notícias que circulam no meio digital. “A imprensa fez um desserviço e contribuiu com a curva de subida da fake news“, afirmou Ana Freitas.

Ainda assim, segundo a pesquisadora, dentro do volume de dados digitais observados, dos mais de 2,1 milhões de menções, 73% desmentiam as fake news propagadas. Uma reportagem da plataforma de fact-checking desmentindo os falsos conteúdos teve mais de um milhão de acessos no período analisado. “É impressionante como a curva do boato caiu. Isso mostra que houve um debate transversal, promovido pela agência de checagem de informações e a sociedade civil”, apontou a pesquisadora.

A execução da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) desencadeou um fenômeno inédito nas redes sociais digitais brasileiras: pela primeira vez, o número de menções desmentindo as fake news difundidas foi maior do que as falsas notícias veiculadas.

Mas, apesar de chamar atenção, o problema das fake news pode ser considerado pequeno, se comparado com um sistema maior, ligado a desinformação, manipulação e hiperpartidarização. A afirmação é de Leonardo Sakamoto, presidente da Repórter Brasil, organização da sociedade civil especializada em direitos trabalhistas, socioambientais e que atua no enfrentamento do trabalho escravo. Alvo de ataques motivados por boatos contra ele difundidos por grandes empresas ligadas à cadeia produtiva da pecuária, o professor de jornalismo da PUC-SP afirma que as notícias falsas são mais fáceis de ser detectadas do que conteúdos exagerados, partidarizados e manipulados. Ele explica que o maior risco está no que é chamado de “sanduíche de mentira”, uma combinação de poucas mentiras entre várias verdades, induzindo a audiência a pressupor que todo o conteúdo é verdadeiro.

Para Sakamoto, a desinformação e as falsas notícias estão inseridas em um contexto bem mais grave: “Em uma sociedade extremamente polarizada, dividida, em que as pessoas não ouvem umas às outras, e que a informação não é vista como subsídio para construção de significados coletivos, mas como instrumento e armamento de batalha, a gente tem uma situação incontrolável. Não adianta controlar fake news se a população está se matando de um ponto de vista simbólico e ódio diz mais forte do que qualquer outra coisa.”

O professor argumenta ainda que o fato de termos no Brasil uma educação precária, no que diz respeito à leitura e a alfabetização midiática, faz com que as pessoas não estejam preparadas para consumir e compartilhar informações. O acesso às novas tecnologias não veio acompanhado de um manual de como ser um comunicador responsável.

“Temos de caminhar para a regulação das plataformas de redes sociais, para a alfabetização digital, a educação básica, mas sem perder de vista a liberdade de expressão, um direito humano. Temos de atacar a causa: reduzir a ultra polarização da sociedade, melhorar e ampliar os espaços de desenvolvimento de empatia, aumentar a pluralidade nas timelines, alfabetizar para mídia e ampliar os núcleos e projetos que amplificam o diálogo entre os mais jovens. Essa é a única saída possível respeitando a democracia”, finalizou.

* Débora Borges é especialista em Marketing Intelligence (Nova IMS, Lisboa) e em Gestão de Comunicação e Marketing (ECA/USP). Assessora de Relacionamento com a Sociedade do Fundo Brasil de Direitos Humanos, é responsável pelo desenvolvimento do programa de captação de recursos junto a indivíduos. Graduada em Comunicação Social (UFJF), trabalha no Fundo Brasil desde 2009, onde também exerceu o cargo de assessora de Comunicação.

Os artigos publicados nesta seção expressam a visão, opinião e entendimento pessoais dos seus autores sobre os assuntos abordados.

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