Manifesto pelas boas notícias
Por Ester Athanásio
Precisamos de boas notícias. Urgente. Quem nunca disse que cansou de assistir ao telejornal porque “só tem desgraça”, que atire a primeira pedra. E o jornalista que não torceu o nariz para tal confissão, justificando mentalmente suas razões, diga agora ou cale-se para sempre. Nobody: todos estão certos de que, diariamente, um volume absurdo de notícias ruins rapidamente chegam aos smartphones, laptops, televisores e tradicionais meios impressos.
Não é por acaso. Boa parte da justificativa para a predominância das más notícias, dando a sensação de que o mundo nunca foi tão perverso e mau, está na própria dinâmica do Jornalismo: por um lado, as normas éticas e o papel social da profissão; de outro, a busca pela audiência. A deontologia do Jornalismo liberal prioriza o negativo. Baseada na noção de quarto poder, aquele responsável em fiscalizar os três poderes de Montesquieu e, assim, defender os interesses públicos, colocando-se, não raramente, em uma postura adversária à política, o Jornalismo acaba sendo o portador de notícias não muito agradáveis.
Não significa dizer que não haja, entre as manchetes, aquelas informações prazerosas – ou meramente fúteis, na definição mais simples do termo. Sem críticas, confessemos que há notícias que pouco determinam os rumos da vida social e servem para satisfazer o interesse do público, trazendo curiosidades sobre celebridades, deliciosas receitas culinárias e detalhes poéticos do gol na última rodada do campeonato. Nada contra, mas cabe sinalizar que a despeito do discurso de autolegitimação do Jornalismo ocidental, que se autoproclama capaz de manter as condições democráticas em funcionamento, tais notícias nada contribuem. São apelos de audiência que atraem anunciantes e informam o que o consumidor/espectador busca. Resolve problemas de ordem prática, satisfaz curiosidades, mas não é aquele baluarte que espera-se da imprensa. Isso fica para as notícias negativas, pouco prazerosas e muito revoltantes.
As consequências também incomodam. Desconfortáveis com tanta desgraça, a apatia prevalece entre o público. É o que aponta a literatura em Comunicação e especialmente aquela que se dedica a investigar sua interface com a Política. O Jornalismo Adversário [aos agentes políticos], que investiga as mazelas públicas, ainda que munido de muitas boas intenções, acaba por produzir, em alguma medida, uma população avessa à vida pública, ou, no mínimo, apática. Um exemplo claro é o que ocorre com a corrupção política. Funciona mais ou menos assim: o Jornalismo investiga, expõe, julga à sua maneira. A população sente indignação e alguns a transformam em ação; entretanto, segundo a Ciência Política, a maioria passa a desacreditar das instituições, abrindo espaço para a deslegitimação da política e da própria democracia.
Não vamos condenar o Jornalismo. Pelo contrário. É preciso repensar seu poder de influência para direcioná-lo de forma a colaborar – tal qual propõe suas diretrizes normativas – para o desenvolvimento social. É claro que o Jornalismo não pode negar os problemas sociais, fingir que vivemos em plena harmonia. Não é verdade e o Jornalismo também visa, mesmo que de maneira limitada, refletir a realidade. O problema é o resultado que essa avalanche de notícias negativas traz sobre o público. Diante da indignação, um pouco de ativismo, mas o predomínio é da sensação de impotência. No caso da corrupção, prevalece o chavão de que “todo político é ladrão”, “não tem jeito”. Assim, sem saídas, sem debater a fundo o problema. Isso quando não se abrem brechas para defesa iludida do autoritarismo como alternativa viável. “Intervenção militar já”, pedem alguns. Tolerância zero a tudo, pois todos pecaram.
Mas se o Jornalismo não pode fechar os olhos para os problemas, mas produz efeitos negativos ao denunciá-los, o que fazer? Como dito, o problema não está em investigar e apontar problemas. Precisamos, sim, de transparência e prestação de contas e sabe-se que a imprensa é um instrumento importante neste processo, principalmente quando o accountability horizontal – promovido pelos próprios órgãos reguladores não vão lá muito bem. A grande questão é que podemos substituir a prioridade do negativo por alternativas bem-sucedidas.
Como assessora de imprensa do setor social, presenciei inúmeras vezes pautas inspiradoras “caírem” – como se diz no jargão jornalístico – diante de “pautas factuais”, como acidentes de trânsito, prisões, pronunciamentos deprimentes. É bastante compreensível, pois é assim que funcionam os tais “critérios de noticiabilidade”. Contudo, a reflexão diária permite um protesto sobre justificativas do tipo “é uma pena, mas não temos nem espaço nem tempo para notícias boas aqui”. O discurso de promoção do bem público não pode se restringir ao marketing e a cobertura das notícias negativas não pode se limitar ao interesse da audiência pelo chocante.
Uma alternativa está nas pautas do setor social. As belas pautas “do bem” não podem ser apenas matérias de “gaveta”, armazenadas nas redações para serem usadas em dias tranquilos, quando nenhum político é preso ou as chuvas não deixam pessoas desabrigadas. Se o empreendedorismo social fosse encarado com maior relevância, boa parte desses problemas seriam extintos ou minimizados. O empreendedorismo social não é apático nem alienado. Priorizar as boas notícias não é ignorar os problemas sociais, mas sim encará-los sob uma perspectiva solucionadora. É como dizer: “vejam, aqui está o problema, os números são esses, mas existe gente trabalhando para mudar esse cenário aqui” ou “com o trabalho dessa instituição, tais pessoas evitaram esses problemas”. Para cada pauta negativa existe uma solução e o Jornalismo pode promover maior empatia, estimular o investimento social privado, constranger o poder público a sanar sua negligência, engajar voluntários, despertar novas ideias e conectar pessoas.
É um desafio gigante, mas acreditamos que o Jornalismo é um aliado extraordinário, impulsionador e acelerador desse processo e queremos que ele entre nesse barco. E que seja de propósito.
Os artigos publicados nesta seção expressam a visão, opinião e entendimento pessoais dos seus autores sobre os assuntos abordados.
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